O desafio do retorno ao parto natural



Enfermeira obstetra Mayra Calvette, da série Parto pelo Mundo (GNT), aponta que o parto tradicional é rodeado de mitos. Mas decreta: é o modo mais eficiente
Responda rápido: qual foi o tipo de parto pelo qual veio ao mundo o mais novo herdeiro do trono britânico? Se você apostou suas fichas na cesárea, errou feio. Foi de parto natural, que continua sendo a primeira opção de mulheres e profissionais em muitos dos países desenvolvidos
A enfermeira obstetra Mayra Calvette, 26 anos, comandou recentemente a série Parto pelo Mundo (GNT), onde observou como mulheres de 25 países tinham seus filhos. Defensora do parto humanizado, ela comemora o fato de o futuro herdeiro do trono britânico ter vindo ao mundo por parto natural, o que pode servir de exemplo às brasileiras, ainda hoje submetidas à cultura da cesariana.
Ela assiste partos domiciliares – acompanhou os dois da top model Gisele Bundchen – e incentiva o parto natural, que pode ser assistido por médicos, enfermeiros obstetras, obstetrizes e em alguns lugares por parteiras. “Em alguns países, as obstetrizes, enfermeiras ou parteiras profissionais são as principais provedoras de cuidado antes, durante e depois do parto (de baixo risco)”. Ela diz que na Inglaterra, Holanda, Áustria, Suécia, Alemanha e Nova Zelândia a mortalidade materna e neonatal é muito baixa, mesmo com o número de cesarianas entre 14% e 28%, muito menor que o índice no Brasil, que é de 54%. Confira a entrevista:
Qual a influência do progresso da tecnologia na definição do parto pelas mulheres?
A influência é imensa. Assim como na indústria, o parto tomou o rumo da produtividade em massa. Em vez de o parto ser visto como um processo natural na vida das mulheres e um rito de passagem para a maternidade, passou a ser um procedimento médico de alta complexidade. Como se elas não fossem capazes de dar a luz sem a ajuda da moderna tecnologia. Isso fez com que o processo fosse acelerado ou interrompido por vezes sem necessidade, desrespeitando a individualidade e necessidades de cada mãe e bebê. Nossa cultura acabou sendo dominada pelo medo, que está relacionado à falta de informação verdadeira e baseada em evidências científicas, à falta de preparação, apoio, cuidado humanizado e de profissionais que encarem o parto como um processo natural.
A cesariana é vista como um tipo de parto avançado?
Ela é um grande avanço tecnológico e pode salvar vidas quando necessário. Porém, muitas vezes é visto como a forma mais moderna e segura de trazer um bebê ao mundo. Mas não é bem assim, a cesariana é uma cirurgia e tem suas indicações e seus riscos, deve ser realizada com moderação e quando realmente necessária. Nós temos a maior taxa de cesárea do mundo, mas nossas taxas de mortalidade continuam altíssimas. Ao ultrapassar o patamar recomendado, os riscos começam a superar os benefícios. Hoje sabemos que o uso excessivo de tecnologia e intervenções durante o parto pode ter consequências negativas a curto e a longo prazo para a mãe e o bebê. Estamos entrando na era “pós-industrial” do parto, onde a tecnologia é utilizada apenas quando necessária, e o processo natural do parto é respeitado.
Após as viagens pelo programa, como você avalia o panorama do Brasil em relação aos partos?
O Brasil é atualmente o campeão mundial de cesarianas, na rede privada esses índices chegam a mais de 90% em algumas maternidades. A Organização Mundial da Saúde recomenda um índice de 15-20%. As mulheres que querem um parto natural na rede privada devem se cercar de um bom círculo de apoio, como procurar um profissional que respeitará suas escolhas, sua individualidade e o seu tempo e o do bebê, também buscar um grupo de apoio, uma doula, se informar e se preparar para não ter uma cesariana desnecessária. Se a mulher for sem informação para uma maternidade privada são enormes suas chances de acabar em uma cesariana.
E na rede pública?
Na rede pública o parto normal é a primeira opção. Há algumas instituições da rede pública maravilhosas no Brasil, como o Hospital Sofia Feldman em Belo Horizonte e o Centro de Parto Normal Casa Ângela, em São Paulo, mas infelizmente eles são a exceção. Mas a assistência deixa muito a desejar no que se refere à humanização do parto. É comum faltarem vagas, as mulheres receberem muitas intervenções e uma assistência precária. Isso pode levar a uma experiência negativa para a mãe e o bebê. A assistência ao parto com a Rede Cegonha, operacionalizada pelo SUS, é uma excelente estratégia do Ministério da Saúde, que prevê a implantação de Centros de Parto Normal em todo o Brasil e a reforma de maternidades existentes, ampliação dos leitos de UTI, entre outros avanços.
Por que o parto ainda causa medos?
O parto pode ser uma das experiências mais profundas e transformadoras da vida de uma mulher, mas também pode ser a mais traumática, dependendo da sua preparação, do ambiente e do cuidado que ela recebe. Eu entendo que essa geração de mulheres tenha ficado traumatizada com a experiência de parto que tiveram, com uma assistência desumana e desrespeitosa. Conheço mulheres que tiveram partos vaginais traumatizantes e depois optaram por cesárea! E essa é a imagem que provavelmente passaram para suas filhas.
Quais são os maiores mitos em relação ao parto natural no Brasil?
São vários. As principais são a de que o parto normal é mais arriscado para mãe e bebê; que a cesárea é um procedimento indolor; que o cordão enrolado no pescoço é indicação de cesariana; que a cesárea deve ser indicada por haver falta de dilatação, o bebê ser grande demais ou a mulher ter a bacia muito estreita. E também de que o corte no períneo deve ser feito para ajudar a saída do bebê; que o parto normal alarga a vagina; que depois de uma cesárea a mulher terá de fazer sempre cesárea, entre outros.
Consequências
Veja os possíveis prejuízos das intervenções durante o parto, segundo a enfermeira obstétrica Mayra Calvette:
• Existem muitos tipos de intervenções, desde não dar liberdade de a mulher escolher a posição durante o parto, um corte no períneo ou uma cirurgia cesariana.
• Manter a mulher em posição de litotomia (deitada) durante o parto: posição mais desconfortável para a mulher, que diminui o diâmetro da pelve, diminui a oxigenação para mãe e bebê e dificulta o expulsivo.
• Lavagem intestinal: não é mais recomendado, além de ser desconfortável, aumenta as chances de infecção;
• Uso de ocitocina de rotina para acelerar o parto, aumenta muito a dor, a chance de sofrimento fetal, a chance de rotura uterina.
• O uso de analgesia epidural durante o trabalho de parto aumenta a probabilidade de usar ocitocina, de cesariana e o uso de fórceps ou ventosa.
• O uso da manobra de Cristeler, empurrar a barriga para o bebê nascer é altamente perigosa para mãe e bebê.
• Episiotomia (corte na vagina) é um corte feito muitas vezes de rotina, mas só deveria ser usada em situações bastante específicas, ela é um corte de pele, mucosa e músculo, deixando a mulher no pós parto com dor intensa, pode provocar danos sexuais e frequentemente complicações infecciosas e urinárias.

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